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Pergunte ao Editor: Pergunta de José Carlos Viega Lopes

PERGUNTA DE JOSÉ CARLOS VEIGA LOPES – PRESIDENTE DA ACADEMIA PARANAENSE DE LETRAS – VICE-PRESIDENTE DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO PARANÁ:

 

Antigamente os escritores eram oriundos, por nascimento ou vivência, do meio rural ou pequenas cidades, donde lhes vinham as inspirações para escrever suas obras, a maioria de caráter regionalista. Assim José Veríssimo era de Óbidos, Rachel de Queiroz passou parte da infância em fazenda em Quixadá, José Lins do Rego nasceu no Engenho Corredor no município de Pilar, José Américo de Almeida era de Areia, Graciliano Ramos de Quebrangulo, José Condé de Caruaru, Afrânio Peixoto de Lençois, Jorge Amado nasceu na fazenda Auricídia em Ferradas, Guimarães Rosa era de Cordisburgo, José Cândido de Carvalho de Campos dos Goitacases, Érico Veríssimo de Cruz Alta, Hugo de Carvalho Ramos de Goiás, Bernardo Ellis de Corumbá de Goiás, e assim por diante.

 

Atualmente quase todos os escritores e críticos literários são das grandes cidades e não conhecem os valores regionais para documentarem em seus escritos. Então dizem que as obras regionalistas estão fora de moda, são extemporâneas ou serôdias, como aconteceu quando Rachel de Queiroz publicou o romance Memorial de Maria Moura.

 

O progresso, através de estradas, barragens, lavouras mecanizadas, luz elétrica, televisão e outros está expulsando os valores regionais.

 

Na sua opinião, ainda há lugar para a cultura e a história regional na literatura brasileira?

 

Vamos às considerações:

 

1 - A quem interessa manter os vínculos de um povo com a sua terra? Afinal quanto mais conhecimento de sua história, mais identificação e mais luta pelos valores e tradições regionais. Pátria, por definição etimológica, é o local onde enterramos os nossos pais de quem herdamos nossa identidade e continuaremos a sua história, o que gera um vínculo emocional que faz valer a pena defender um determinado espaço geográfico. Agora, quando imponho uma cultura descartável, descontextualizada, substituindo os referenciais históricos e aniquilando a identidade (basta ver os nomes das lojas, mesmo no interior) sufocamos o senso crítico da população e podemos, assim, manipular facilmente a sua vontade. Afinal, um povo sem passado não lutará pelo seu futuro e uma corrente terá a resistência do seu elo mais fraco.

 

2 - Lógico que não defendo o isolacionismo cultural, até porque não acredito em cultura pura, pois o homem caminha e ao caminhar realiza adaptações sociais e geográficas que geram novas culturas e tradições. É a eterna e benéfica tensão entre tradição e modernidade! O que combato é esta cultura descartável que nos é imposta pelas produções exóticas através da coerção da grande mídia. Quando os nossos jovens sabem mais e melhor do misticismo e cultura medieval européia do que das nossas lendas, costumes e tradições, temos que parar entender o que estamos fazendo de errado. Quando começamos a comemorar o “Halloween” (tradição irlandesa amplamente divulgada nos EUA) e desconhecemos a “cuca, saci, iara, mula sem cabeça, negrinho do pastoreio... o valneirão, o caminho da roça...”, entre outros, é um alarme avisando que a invasão já está se consolidando. Quando “o último dos moicanos e o forte Apache” é mais lembrado do que o “Cacique Guairacá ou Sepé Tiarajú a afirma ‘esta terra tem dono’”, entendo que estamos dominados... E aí não precisa nem de arma, perdemos nossa terra e calamos a nossa alma. Basta chegar e assumir que os receberemos sob aplausos e em inglês.

 

3 - É a cultura de Shopping Center! Em qualquer local do mundo um shopping Center é igual. Lojas, atendimento, superficialidade das relações, ... TUDO. Se vendarmos os olhos de alguém e levarmos para dentro de um shopping qualquer, em qualquer local do mundo, será que esta pessoa é capaz de identificar onde está??? Possivelmente não, pois faltam referenciais contextualizadores que revelem isto... Acredito que todo shopping, tal e qual a embaixada, é território estrangeiro. Sem falar que para cada emprego que o shopping gera, fecham vários postos de trabalho no comercio do centro, o que leva à migração da classe média para os shoppings e o empobrecimento dos centros da cidade numa espécie de apartheid que relega os centros das cidades aos comércios para pobre. Basta verificar a Rua Chile em Salvador, a Rua XV em Curitiba...

 

4 – Quanto mais padronizado for o consumo mundial, menos investimentos terão que fazer, seja em marketing – seja em processos de produção – para desenvolver produtos comerciais. Simples assim!

 

5 – Se deixarem a cultura regional prosperar influenciará o gosto da sociedade e a busca por produtos regionalmente contextualizados aumentará e gerará problemas comerciais de produção. Afinal, se soubessem e valorizassem a sua história natal, será que nossos jovens prefeririam marcas que nada representam ou significam para nós ???

 

6 – Um dos reflexos desta imposição cultural está na busca por temas “globalizados”, afinal as crianças de ontem viraram os escritores, críticos e editores de hoje. É processo de décadas e gerações. Somos um país que surgiu sem povo. Nascemos como nação antes de existirmos como povo. Crescemos olhando para o oceano e esquecemos que fomos colocados para correr de outras terras, onde morríamos de fome e guerra, e fomos acolhidos aqui onde desenvolvemos a nossa história e criamos os nossos filhos. Criamos raízes e precisamos valorizar/proteger elas para que os frutos sejam fortes.

 

7 – Por fim, mas sem esgotar o assunto, temos a facilidade irresponsável de parte do mercado editorial em priorizar as traduções em detrimento aos autores nacionais e à cultura e história regional. Basta entrar em uma livraria e comparar o destaque dado a cada um...

 

8 – Lógico que o leitor pode inverter e subverter estes valores simplesmente priorizando obras regionalistas e autores nacionais. As livrarias de hoje não são ideológicas, pois precisam vender muito já que os custos fixos dos shoppings são absurdos. Logo, se começarmos a procurar livros e autores nacionais, os compradores das livrarias irão atrás deste perfil, pois precisam vender. O poder é nosso!

 

9 - Os livreiros praticamente foram extintos (os editores também). Hoje o que temos são livrarias e compradores/vendedores – editoras e setores... Livreiros e editores foram extintos pelo comercio globalizado onde as relações não são humanas e de sim de mero consumo...!  E neste cenário, tanto faz vender berços ou caixões... livros sérios ou pornografias.

 

10 – Portanto, minha resposta é sim. Ainda existe espaço para a cultura regional, e é essencial que exista, mas o tamanho deste espaço será estabelecido pela sociedade, ou seja, por cada um de nós com o poder conferido pelo nosso cartão de crédito. Acredito ser importante a entrada da boa literatura universal, mas que a boa literatura nacional e regional também tenha destaque e apoio. Convivência e aculturação sem mera substituição.

 

Como o assunto é complexo e essencial, vamos criar uma palestra aqui no auditório do Instituto Memória, com vários convidados, para debatermos e encontramos propostas afirmativas para esta situação.

 

Anthony Leahy

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Anthony Leahy - Editor - Instituto Memória

Conselheiro da Academia Brasileira de Arte, Cultura e História - SP

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e da Academia de Cultura de Curitiba

Diretor-Tesoureiro da Associação dos Amigos da Biblioteca Pública do Paraná

www.institutomemoria.com.br

 


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