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E COMO FICAM AS GARANTIAS DA SOCIEDADE?

E COMO FICAM AS GARANTIAS DA SOCIEDADE?

Presunções - Adauto Suannes"Ex-Secretário liga tucano a mensalão."

 

 

"Número 2 da polícia científica de SP é acusado de mais fraudes."
Jornal Folha de S.Paulo, edição de 1° de Dezembro de 2009

"CPI pede investigação sobre diretor da Aneel."
Jornal Folha de S.Paulo, edição de 1° de Dezembro de 2009

"Procuradoria acusa de novos crimes diretores de empreiteira."
Jornal Folha de S.Paulo, edição de 1° de Dezembro de 2009

"Depois do PT e PSDB, Democratas enfrentam escândalo de pagamento de propinas a aliados de Roberto Arruda."
Jornal Folha de S.Paulo, edição de 1° de Dezembro de 2009

"Não existe nenhum país no mundo que ofereça tamanha proteção (aos acusados). Portanto, se resolvermos politicamente - porque esta é uma decisão política que cabe à Corte Suprema decidir - que o réu só deve cumprir a pena depois de esgotados todos os recursos, ou seja, até o Recurso Extraordinário ser julgado por esta Corte, nós temos que assumir politicamente o ônus por essa decisão."
Ministro Joaquim Barbosa, quando do julgamento do HC 84078/MG pelo STF

Se você conhece alguma coisa da vida sabe que o criminoso é alguém que demonstrou não respeitar as regras de convivência social. Se conhece alguma coisa do Direito Penal certamente sabe que uma das finalidades da pena é proporcionar a ressocialização de quem cometeu um crime.

Imaginemos, porém, que você seja leigo em Direito. Você passa por uma avenida pela manhã e vê um automóvel inteiramente desfeito, com aqueles ferros retorcidos empilhados junto a um poste, sangue na calçada correspondendo ao passageiro que ali era transportado. Se você é um adulto que conhece as coisas naturais da vida, o que os juristas costumam chamar de illud quod plerumque accidit, aquilo que normalmente acontece, sabe que: a) automóveis não foram feitos para colidirem contra um poste, mas para trafegarem no chamado leito carroçável; b) os automóveis são construídos com material resistente e só se desmancham quando colidem contra um obstáculo, em alta velocidade. Aqueles dados à sua disposição permitirão que você chegue a algumas conclusões: a) o automóvel colidiu contra o poste por haver saído indevidamente do leito carroçável; b) os danos produzidos na colisão sugerem que ele estava trafegando em velocidade incompatível com a que seria razoável nas circunstâncias. Logo, concluirá você que esse motorista acaba de cometer um crime de trânsito, causando danos físicos ao passageiro ou sua morte.

Se, entretanto, ao seu lado estiver um advogado criminalista, ele bradará: "Enquanto não for comprovada a culpa desse motorista em um processo judicial, assegurando-se a ele ampla defesa, com a possibilidade de interpor todos os recursos previstos em lei, ele deve ser considerado inocente".

Circula por nossa rua o Pepeu, um desses homeless (dito em inglês dói menos no ouvido) que há em todos os bairros, que arrasta consigo, além das conseqüências da falta de banho, um carrinho de feira repleto de pacotes e mais pacotes, todos cheios de inutilidades que ele colhe nas ruas. Imagine que amanhã, em lugar de um carrinho desses, ele aparecesse dirigindo uma Mercedes-Benz. Que você pensaria? Se fosse advogado, diria que não podemos prejulgá-lo, confundindo Código Penal com Evangelho.

Você então concluirá que os operadores do Direito são gozadores ou débeis mentais, pois, de acordo com o citado illud quod plerumque accidit, a presunção evidente, decorrente daquilo que ali está exposto, é no sentido de que o motorista foi imprudente, ao imprimir velocidade inadequada ao veículo, e imperito, ao deixar o automóvel desgovernar-se. Logo, a menos que ele justifique cabalmente sua conduta, a presunção será de culpa, não de inocência, até porque o fato se passou na madrugada e não havia qualquer testemunha presencial. O tal advogado, ao ouvir isso, lhe entregará um cartão de visitas. "Não saia à rua sem ele", dirá a você, com um sorriso de mofa no rosto.

Imaginemos agora que você more num prédio de apartamentos, no qual moram várias famílias, cujas crianças costumam brincar num playground situado nos fundos do terreno. No terceiro andar mora um rapaz, dono do apartamento, cujo quarto tem a janela voltada para o tal playground. Ele encontra-se em gozo de férias e, por isso, pretendia dormir até mais tarde, o que o barulho da criançada não permite. Ele então empunha sua espingarda de caça e vai abatendo, uma a uma, as perturbadoras crianças, como se estivesse em Columbine.

Ele vem a ser preso, é lavrado o auto de prisão em flagrante e arbitrada fiança, pois ele é primário, tem residência fixa e emprego. Paga a fiança, ele é solto, voltando para casa.

Vamos dramatizar ainda mais: uma das crianças mortas era seu único filho. Como você se sentiria cruzando diariamente com aquele vizinho no corredor do edifício ou subindo com ele no mesmo elevador? Que ideias lhe viriam à mente?

Oferecida denúncia contra ele, o defensor arrola meia dúzia de testemunhas, dentre as quais Gisele Bündchen e Ricardo Izecson Santos Leite. Serão expedidas cartas rogatórias para ser tomado o depoimento da itinerante modelo onde quer que ela esteja desfilando e para ser ouvido o tal rapaz, que atua no futebol da Europa sob o nome de Kaká. Anos depois, quando voltarem as cartas rogatórias devidamente cumpridas, a defensoria requererá que o jogador e a modelo sejam submetidos a acareação, cujo indeferimento caracterizaria cerceamento de defesa. Quanto tempo mais será necessário?

Imaginemos que um dia a instrução desse processo termine e sobrevenha uma sentença condenatória. Condenatória? Coisa nenhuma. Será uma sentença determinando que o réu seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. O acusado continuará a circular pelo edifício onde vocês dois moram, pois é primário e tem bons antecedentes. E continua sendo legalmente inocente.

A primeira providência da defensoria será apresentar um recurso de Embargos de Declaração, para que o juiz explique melhor algum trecho da sentença. Esse recurso será rejeitado ou acolhido, publicando-se o resultado meses depois.

Sobrevem então o recurso propriamente dito, que deverá ser apreciado pelo Tribunal de Justiça, recurso esse no qual a defensoria certamente arguirá umas tantas nulidades e pedirá a despronúncia do recorrente, como é de praxe. Os autos do processo irão à Procuradoria de Justiça, de onde retornarão no ano seguinte. Enquanto isso você continua a cruzar com o mesmo vizinho no corredor do edifício onde ambos residem.

Anos depois, o recurso será julgado, confirmando-se a decisão que mandara o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. O Acórdão será então lavrado, assinado, registrado e publicado, o que exigirá uns tantos meses. A defensoria, então, apresentará recurso de Embargos de Declaração, para que seja esclarecido isto e mais aquilo. Meses depois os tais Embargos serão julgados, o respectivo Acórdão será lavrado, assinado, registrado e publicado, o que exigirá mais alguns meses. Enquanto isso você continua a cruzar com o recorrente no corredor do edifício onde ambos residem, pois ainda não é o caso de expedir-se mandado de prisão, já que o réu continua sendo legalmente inocente.

Agora a defensoria apresenta não apenas um, mas dois novos recursos. No primeiro, dito Recurso Especial, ela invocará violação de algum preceito constante de lei federal; no outro, dito Recurso Extraordinário, a defensoria alegará violação de algum preceito constitucional, coisa que qualquer rábula sabe fazer. Os autos irão novamente à Procuradoria de Justiça, de onde retornarão no ano seguinte, com pareceres sobre um e outro desses recursos. Eles serão então despachados pelo Presidente do Tribunal de Justiça que ou manda que o recurso seja enviado ao tribunal de Brasília competente para apreciá-lo, ou indefere o recurso. Do indeferimento caberá novo recurso, dito Agravo de Instrumento, que será apreciado por um Ministro de um Tribunal Superior, em Brasília, sabe-se lá quando. Em Brasília caberão tantos recursos de Embargos de Declaração quantos a imaginação e a criatividade do Advogado conseguirem criar. Quando algum deles for indeferido liminarmente, sob a alegação de ser meramente protelatório, sempre caberá o recurso de Agravo Regimental, cuja decisão também admite novos Embargos Declaratórios.

Enquanto isso você continua a cruzar no corredor do edifício, onde ambos ainda residem, com a pessoa que, anos atrás, quando os cabelos de tua esposa ainda não eram grisalhos e quando havia cabelos em tua cabeça, disparou contra crianças que faziam algazarra no playground do edifício onde você e ele já viviam. Lembra-se?

Repare que até agora ele ainda não foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. Quando isso ocorrer e ele for condenado, finalmente ele será preso e começará a cumprir a pena. Certo? Errado. Ainda faltam ser interpostos muitos e muitos recursos.

Quando tiver sido definitivamente julgado, o tal rapaz, agora um respeitável senhor, casado e bem empregado, deverá deixar o emprego e a família para passar uns tempos atrás das grades. Uns anos mais e ele sairá de lá presumivelmente ressocializado.

Esse trabalho merece uma crítica técnica: enquanto o Tribunal do Júri não afirma sua culpa, o homicida deve ser considerado tecnicamente inocente. Acontece que mesmo depois de condenado pelo Júri, sabe-se lá quando, ele continua em liberdade. Depois de confirmada a condenação no Tribunal de Justiça, ele continua solto. Rejeitado o Recurso Especial pelo Superior Tribunal de Justiça, ele continua solto. Denegado Recurso Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal, ele ainda continuará solto. E tanto num como em outro desses tribunais caberão ainda recursos e mais recursos. Tudo em nome das "garantias do acusado".

E como ficam as garantias da sociedade?

Adauto Suannes
Desembargador aposentado - SP - Jurista

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A coluna Circus, integrante do site Migalhas (www.migalhas.com.br), é assinada pelo ilustre migalheiro Adauto Suannes, autor do livro "Justiça & Caos" e "Ninguém Sofre porque quer".

Jornal Folha de S.Paulo, edição de 1° de Dezembro de 2009
 
 
JUSTIÇA & CAOS
 
 
 
"só existe crime organizado numa sociedade desorganizada,
na qual os poderes estão contaminados pela corrupção deste crime"
 
Adauto Suannes
Desembargador aposentado - SP - Jurista
 
Também do autor:
 
NINGUÉM SOFRE PORQUE QUER
 
Esta segunda edição e corridos alguns anos desde o lançamento do livro, muita coisa aconteceu, até porque a vida é eminentemente dinâmica. O Vítor superou todas as dificuldades referidas no prefácio e hoje é um garoto saudável, bem-humorado, inteligente e, para orgulho do avô, amante dos livros. O André já se considera um rapaz e é mais chegado aos esportes do que o irmão.Quanto a mim, ingressei no seleto grupo dos “CCs”. Foram necessários muitíssimos anos para que as pessoas, principalmente graças aos “AAs”, descobrissem que o alcoolismo é uma doença, por sinal insidiosa. Mesmo assim, ao contrário do que preconizava o prospectivo Emilio Mira y Lopes, já na primeira metade do século passado, os meios de comunicação continuam autorizados a incentivar o seu consumo. Até atividades esportivas são patrocinadas por tais bebidas, tal como se fazia com o tabaco até recentemente. Penso que já era tempo de os alcoólicos anônimos deixarem esse anonimato e saírem à rua para darem testemunho do sofrimento que a bebida lhes causou a eles e a seus familiares.Pois o “CC”, ainda não oficializado, pretende reunir o cancerosos conhecidos, cujos testemunhos certamente levariam muita gente a tomar medidas preventivas diante do risco de contração de tal moléstia, que chega sem prévio aviso.O médico David Servan-Schreiber, no oportuno livro Anticâncer, traz seu testemunho pessoal: “Saber que se está com câncer é um choque. Sentimo-nos traídos pela vida e pelo próprio corpo. Mas ficar sabendo de uma recaída é terrível. É como se descobríssemos de repente que o monstro, que acreditávamos ter abatido, não está morto, e não havia parado de nos seguir na sombra, e terminou nos pegando”.Tal recaída, em lugar de desanimá-lo, mais o animou a estudar tal moléstia, com propostas preventivas que estão ao alcance de qualquer de nós.Pois foi o câncer que me levou a reeditar o presente livro, ao descobrir o número elevado de pessoas que se recusam até mesmo a pronunciar o nome de tal moléstia, esquecidos de que tremermos diante do nome de nosso inimigo já é entrar na luta em posição de desvantagem.Orgulho-me de ter ao meu lado, nessa batalha, esse homem extraordinário chamado José Alencar Gomes da Silva, atualmente no exercício da Vice-Presidência da República, exemplo de fibra, fé e, acima de tudo, vontade de viver. Ao sair do hospital depois de uma das inúmeras cirurgias a que se submeteu em razão do invencível câncer, expressou tudo isso em uma frase lapidar: “Deus não precisará do câncer para me levar quando resolva fazê-lo”.
Dedico, pois, especificamente a ele esta segunda edição.
 
Adauto Suannes
 

 

 

 

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