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JORNAL O ESTADO DO PARANÁ: A Reconstrução do Espírito - Ivan Schmidt

JORNAL O ESTADO DO PARANÁ

A reconstrução do espírito

Ivan Schmidt

Quando algum intelectual tomar a até agora inédita iniciativa de escrever a história da inteligência paranaense, da mesma forma que Wilson Martins já o fez com a inteligência brasileira, haverá um lugar cativo para o romancista e historiador Noel Nascimento, que com Casa Verde e Arcabuzes, notáveis narrativas que entremeiam ficção e realidade histórica, ofereceu aos leitores um abalizado painel da vida paranaense no período posterior à Abolição da Escravatura e Proclamação da República até à eclosão da Revolução Federalista e da Guerra do Contestado. São esses os episódios que o autor descreve de forma didática no fluente ensaio A Revolução do Brasil, em boa hora relançado pelo Instituto Memória, graças ao descortino do editor Anthony Leahy.

Noel é um pensador imantado pelo humanismo e pela idéia da reconstrução do espírito humano, ideais que o levam a argumentar que “a única via para a elevação do nível cultural, moral e intelectual da sociedade para o progresso das idéias e instituições é a formação do novo homem numa verdadeira revolução pela fraternidade”. Esta idéia está enunciada com o brilhantismo de sempre em O novo período literário (Editora da Universidade de São Carlos, SP, 1999), uma espécie de exposição de motivos estéticos e filosóficos cultuados pelo festejado autor nascido em Ponta Grossa, em 1925.

Não seria exagero afirmar que poucos intelectuais, à semelhança de Noel Nascimento, tiveram a facilidade de incrustar nos escritos produzidos ao longo da existência as qualidades indissociáveis da própria personalidade. No mesmo livro, escreveu ele que “urge o surgimento do novo homem, generoso, de consciência mais ampla numa unidade espiritual maior: a humanidade. Sem a ferocidade e a hipocrisia do involuído, minimizando o egoísmo, poderão ser eliminadas a fome, a miséria, as injustiças e as guerras”.

Todos quantos têm o privilégio de desfrutar da amizade de Noel Nascimento ou com ele conviver, são testemunhas de sua generosa cordialidade e largueza de alma, valores que insiste em qualificar como força motriz da “verdadeira revolução pela fraternidade”, cuja essência se funda na assertiva de que “basta que as relações entre os homens, mormente as econômicas, tenham como base o solidarismo”. Não é sem motivos que o escritor paranaense se refere inúmeras vezes àqueles que, salvo engano, lhe propiciam além do prazer da leitura, uma admiração pessoal irrestrita. Entre muitos outros, são eles os sábios humanistas Jacques Maritain, Teilhard de Chardin, Emmanuel Mounier e Alceu de Amoroso Lima, além do notável líder de massas Mahatma Ghandi.

Em A Revolução do Brasil, Noel cumpre a missão do historiador proficiente ao atribuir o estofo de autêntica contra-revolução à auto-intitulada Revolução Federalista, desfechada contra o governo presidido por Floriano Peixoto, que assumiu no dia 23 de novembro de 1891, no que seria “o primeiro governo realmente revolucionário do Brasil”. Noel lembra que a verdadeira revolução havia culminado com a Abolição e a Proclamação da República, suscitando a reação imediata de monarquistas empedernidos como o almirante Saldanha da Gama, general Eduardo Wandenkolk e muitos outros oficiais do Exército. Quando os falsos federalistas se levantaram no Rio Grande do Sul, o próprio Floriano a eles se dirigiu como “mensageiros da depredação e do morticínio, a mando de um antigo ambicioso político que, com o advento da República, ficou privado dos privilégios que astutamente gozava no regime decaído”, numa referência explícita à monarquia. Gaspar da Silveira Martins foi um dos arautos da contra-revolução, adversário figadal de Júlio de Castilhos, intelectual positivista e líder republicano gaúcho que viria a ser apoiado pelo marechal Floriano.

O golpe contra a República foi dado com a sublevação das guarnições de Pelotas, Rio Grande, Bagé e Santana, logo se espalhando para os estados de Santa Catarina e Paraná. Na época, o governo do Paraná era exercido por Vicente Machado, eleito após a deposição de Generoso Marques e correligionários, cuja sustentação armada era fornecida pelo general Aguiar Lima. As tropas rebeldes do Sul, comandadas pelo caudilho Gumercindo Saraiva, invadiram o Paraná e foram derrotadas após sangrentas batalhas no heróico Cerco da Lapa, entre janeiro e fevereiro de 1894. No dia 6 de fevereiro o combate chegou ao auge, inclusive com enfrentamentos a arma branca. Os maragatos de Saraiva destroçavam os remanescentes republicanos quando o coronel Gomes Carneiro decidiu ordenar a retirada para local seguro.

Noel conta que “o tenente Hen-rique dos Santos tombou mortalmente ferido e Carneiro, que tentou ampará-lo, foi também atravessado por uma bala”. O inimigo atocaiado na residência de Francisco de Paula, no entanto, acabou se retirando pouco depois em meio a centenas de mortos e estropiados, sob cerrado canhoneio e a explosão de cargas de dinamite. Na manhã de 10 de fevereiro, o corpo de Gomes Carneiro, coberto com a bandeira do 17.º Regimento de Infantaria, foi inumado na sacristia da catedral da cidade.

Para o historiador, não houve necessidade de cumprir o pacto de morte firmado pela oficialidade de Carneiro, ou seja, de resistir até o último homem, pois já haviam cumprido o seu papel glorioso: “Não ganharam a guerra, mas conquistaram a paz para o País. O sacrifício dos pica-paus conscientizou a Pátria, encheu de brio as forças da legalidade, salvou a República”.

Estava selada a genuína revolução brasileira.

Ivan Schmidt é jornalista.


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