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LA DESOBEDIENCIA CIVIL EN LA FILOSOFÍA DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Autor: Geovane de Assis Batista
Páginas: 492 pgs.
Ano da Publicação: 2022
Editora: Instituto Memória
De: R$ 200,00 - por: R$ 150,00

SINOPSE

PREFACIO

 

Rousseau é um dos mais conhecidos e influentes pensadores filosóficos da história. Seu pensamento refletiu incontáveis obras, louvações e contestações. São inúmeras refutações, interpretações equivocadas e até maliciosamente distorcidas, da mesma maneira como são muitas favoráveis, e até exagerados endeusamentos. Suas principais teses sobre a organização social, educação, moral estão presentes nas grandes discussões provocadas por diversos pensadores em distintas áreas em mais de três séculos e, exatamente por isso, parece esgotada qualquer tentativa de nova exegese.

Se é assim, a inspiração de mais um livro sobre o pensamento rousseauniano parece, à primeira vista, sem propósito; corre sério risco de despertar indiferença e descaso, mas aí está o ponto essencial do presente texto: Giovane nos oferece algo novo, original, e faz isso com maestria, recorrendo a um conjunto de obras de renomados comentadores de Rousseau. Para seguir numa leitura proveitosa do livro, o leitor pode imaginar-se fazendo uma viagem de trem, em cada capítulo, cada conceito, é como se estivesse chegando a uma nova estação com interpretações, argumentações, teorias que podem representar grande impacto no pensamento contemporâneo.

Juiz do Trabalho desde 2003, Geovane de Assis Batista, natural de Alagoinhas-BA, é um estudioso voraz que persegue sua formação unindo a magistratura à filosofia. Graduado em Direito na faculdade de Direito da UFBA e em Filosofia, na Faculdade São Bento da Bahia, e não satisfeito, deu prosseguimento aos estudos com o mestrado em Filosofia na UFBA, tendo aí se aproximado dos escritos políticos de Jean-Jacques Rousseau. Com entusiasm crescente, partiu para o Doutorado na Universidade Católica de Santa Fé (UCSF), na República Argentina. A partir dos conceitos de liberdade e alienação (ambos investigados no Mestrado), a TESE revela uma intencionalidade fenomenológica transcendental para identificar, nos escritos literários, políticos, econômicos, antropológicos e sociológicos de Rousseau o fenômeno da ilegitimidade da desobediência civil no Contrato social.

Conheci Geovane na função de orientador de pesquisa no Mestrado em filosofia da UFBA e a partir daí iniciou-se um convívio em muitos eventos filosóficos pelo Brasil. Como pesquisador cuidadoso, atento e sempre disposto, teve de enfrentar o conflito e as armadilhas entre o linguajar rebuscado, ríspido, formal da área jurídica (juridiquês) e o rigor da lógica e metodologia, sem perder a sensibilidade literária própria do fazer filosófico. Esse tipo de dificuldade é típico de quem teve sua formação na área jurídica, mas Geovane enfrentou de maneira decidida e superou sem tropeços, tendo apresentado ótimos resultados com sua dissertação sobre “Liberdade: um bem inalienável no direito político de Rousseau”. Dando continuidade com o doutorado, tira proveito da sua formação jurídica e filosófica para desenvolver um estudo sobre os conceitos de liberdade e alienação no pensamento do genebrino partindo do pressuposto de que a teoria rousseauniana sobre o direito político não concorre para alienabilidade da liberdade do homem. Como um trabalho de filosofia política toma as considerações de direito natural, direito positivo e direito político para embasar uma interpretação dos conceitos basilares de liberdade e alienação para campos de pesquisas que se interessem pela analogia envolvendo o indivíduo, o coletivo e o Estado. Considerando a instigante obra rousseauniana, conceitos basilares como vontade geral, soberania, leis e liberdade foram talhados para se concluir que a liberdade política, mesmo sob a égide de uma lei que se estatui a si mesma, constitui um valor inalienável no direito político pensado por Rousseau.

O entendimento aqui oferecido, objetivando apresentar o resultado da sua tese de doutorado sobre a desobediência civil na filosofia de Jean-Jacques Rousseau, se propõe a ir fundo na questão da injustiça social que alimenta a miséria, as guerras e atrocidades impostas ao ser humano. Rousseau se motiva e se lança na busca pela possibilidade da existência de uma ordem civil justa e legítima. Nessa perspectiva, ele propõe um Contrato social, uma ideia de educação, suas demandas e empecilhos, mas não ignora outras possibilidades como a desobediência civil como arma revolucionária no interior da sociedade degradada, tudo isso visando aprofundar aquela que é uma das suas mais destacadas teses: a ideia de liberdade como um bem inalienável.

O livro conduz seu leitor a provocações instigantes em torno da liberdade, alienação e desobediência das leis. Geovane se aproveita da riqueza do trato rousseauniano que lhe permite transitar com habilidade nos campos político, jurídico e filosófico e, com habilidade, procura se garantir apoiando-se nas referências de consagrados comentadores da obra rousseauniana como Isaiah Berlin, Ernest Cassirer, Robert Derathé, Victor Goldschmidt, Jean Starobinski, além de muitos filósofos canônicos e respeitados autores da área jurídica, tomando a liberdade como ponto de partida para considerações de que o seu gozo como bem inalienável somente será alcançado em sua integralidade caso seja efetivada com apoio de regras ou normas. Complementando, deve ser destacado que a liberdade implica na rejeição de qualquer forma de limitação da vontade e do agir humano e não pode de forma alguma ser condicionada ao Estado de Direito. Ora, o inconteste ideal do exercício da liberdade como a característica mais importante do que qualquer outro aspecto da vida humana consiste na ideia de autodeterminação de qualquer ordem política.

Sobressai no trabalho de Geovane a disposição para clarear conceitos fundamentais no pensamento rousseauniano como alienação, liberdade e, destacadamente, desobediência civil, visando responder a provocação e indagação se o pacto tal como se encontra descrito na obra do Contrato social tem alguma legitimidade com potencial para tratar a liberdade como um bem maior e inalienável. A notória clareza dos textos de Rousseau é sedutora, mas poucos leitores são capazes de perceber as dificuldades latentes, impondo-se como desafio rastrear a provocação que Rousseau nos infunde ao conceber um novo cidadão paradoxalmente protegido e subjugado à nova ordem estabelecida pelo contrato, e Geovane vai fundo para compreender se esse novo cidadão não seria suscetível de ter sua liberdade tolhida por conta da depravação do poder de gestão do Estado e se haveria alguma possibilidade de que em determinadas situações ele pudesse transgredir a lei.

Em outras palavras, com a disposição de demonstrar que a utopia de Rousseau efetivada na instituição de uma ordem administrativa legítima não pode provocar o evento social da alienação da liberdade política, nem mesmo quando o cidadão não pode desobedecê-la, Geovane amplia ainda seu entendimento de que esta determinação negativa e paradoxal constitui uma garantia de inalienabilidade, que é evidente mesmo quando Rousseau usa pragmaticamente a religião civil para, unindo o amor de si e o sentimento religioso, ratificar o dever de obediência à lei autonomamente fundada, quando “todo o povo estatui algo para todo o povo”.

O leitor encontrará aqui uma concepção composta por especulações fundamentadas na obra rousseauniana recorrendo aos mais destacados comentadores, o que permitiu uma sistematização em seis capítulos de maneira a apresentar uma ampla e profunda argumentação em torno de questões filosóficas, políticas e jurídicas da atualidade.

O cidadão submetido às correntes do ordenamento jurídico tem alguma admissão na ideia de liberdade concebida e defendida por Rousseau?

Visando responder tal indagação, o primeiro capítulo se desenvolve pelos meandros das noções básicas do direito natural e o jusnaturalismo, apontando para uma teoria sistemática do direito.

O leque de conceitos e autores é de uma amplitude que permitirá ao pesquisador um extraordinário conhecimento. Geovane traça uma história da noção de direito natural constituindo uma extensa fonte para estudiosos da área e outros.

As interpretações da noção de direito natural vêm desde os Antigos e têm seu auge no Iluminismo e são tão amplas quanto divergentes tendo, entre suas apreciações, a ideia universal de justiça sintetizada como um composto de normas e direitos que já nascem com o homem e que atualmente pode-se definir como princípios do direito.

Recorrendo a Derathé, constata-se que toda a teoria do direito natural se baseia na existência de uma ordem moral universal, anterior às leis positivas e convenções humanas. Essa discussão está intimamente conectada com a ideia de revolução, ciência política e o embate com a teoria do direito divino. Assim posto, o objetivo que segue será compreender como o direito natural se relaciona com o direito político pensado por Rousseau e como ambos se distanciam do direito positivo e ou da moral escravagista, o que resvala na indagação se em uma convenção social legitimada pelo direito natural tendo como defesa a natureza livre do homem é possível se estabelecer uma administração política em que o homem seja agente ativo na definição de justiça.

O segundo capítulo desenvolve a argumentação de Rousseau na defesa da liberdade, como ela se dá no estado de natureza e estado civil, destacando o processo de desnaturalização com suas tempestuosas consequências no processo civilizacional. Há aqui toda uma construção lógica fundamental na compreensão da obra rousseauniana.

Se o conceito de liberdade em Rousseau é por demais controvertido, no capítulo seguinte é apresentado o paradoxo de Rousseau envolvendo a alienação da liberdade. Aí Geovane desenvolve o que entende por alienação com sua pluralidade de significados, mas destaca a especificidade com que Rousseau entende esse conceito, diferentemente do entendimento de pensadores posteriores como Hegel, Feuerbach, Karl Marx e outros. A obra, então, que o leitor terá oportunidade de ler se desenvolve na perspectiva de pensar na possibilidade de uma ordenação social, política e econômica que garanta a justiça e preserve a essência humana no respeito à sua liberdade. Esse é o desenvolvimento do quarto capítulo. Como fica a defesa do coletivo com a preservação da individualidade, ou seja, qual a saída para o dilema entre a vontade particular e a vontade geral?

No contrato social, o homem não é estranho nem a si mesmo nem ao Estado, mas uma efetiva unidade, como aponta Geovane; unidade sincrética física-abstrata capaz de superar uma ordem ilegítima e alienante a favor da garantia da autonomia da liberdade. O texto se desenvolve de maneira a traçar um retrato do contrato social destacando as críticas à ideia de liberdade, à concepção de soberania, às leis, à noção de representação.

O mote da possibilidade da desobediência à lei que constitui o objeto central deste livro ocorre de maneira singular no quinto capítulo, no qual aparece a liberdade política que se expressa pela autonomia do cidadão de legislar exprimindo aquilo que vem sendo perseguido que é o VALOR inalienável do cidadão que faz a lei a que ele próprio irá submeter-se; a liberdade do cidadão é, simultaneamente, a causa e o efeito das leis que a garantem na estrutura normativa.

Rousseau se vê obrigado a adotar uma forma de associação pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedeça a si mesmo, preservando sua liberdade. Em síntese, ele irá estabelecer as regras da organização da sociedade, encontrar uma nova composição normativa na qual o homem, apesar de estar inevitavelmente sujeito a ela, possa ter garantida a sua liberdade. O grande desafio é como pensar essa nova organização e como entender as correntes legais e políticas da liberdade. Rousseau recorre à natureza para defender que assim como o homem natural experimentou a liberdade irrestrita, o homem civil pode gozar da liberdade política, obedecendo às leis estabelecidas. Com o contrato social, Rousseau acredita na existência de condições de possibilidade para que o homem, sem se dar ou vender, possa, com autonomia, instituir uma regra de administração legítima segura, de modo que a sujeição a ela implique um ganho manifesto de liberdade política.

Para Rousseau, a grande vantagem a ser considerada essencial para o homem do contrato encontra-se principalmente no exercício de sua liberdade cívica, que consiste na participação do cidadão na práxis do poder. Trata-se de uma liberdade, portanto, que, ao mesmo tempo, brilha na obediência à lei e funda a legitimidade da lei. Rousseau quer pôr fim à dependência dos homens, submetendo-os apenas à autoridade da lei. No contrato, a obediência à lei que o homem prescreve a si mesmo é liberdade. Aqueles que pensam que, no contrato social, os particulares saem prejudicados com a renúncia enganam-se, pois o que o homem faz no contrato social é uma troca benéfica de uma vida incerta por outra, com segurança e garantias. Com o contrato, o acordo entre as opiniões e vontades, conflitantes e harmônicas, de cada um dos membros do corpo político, surge da responsabilidade de cada um consigo mesmo e com o corpo coletivo, do qual todos se reconhecem como parte inseparável.

Por fim, o último capítulo trata do amor à lei numa leitura bem original. Quando se refere à organização da sociedade civil, Rousseau aborda na perspectiva de diferentes campos, mas vai além na amplitude do seu ponto de vista, chegando à apreciação metafísica. Para sua proposta de sociedade normativa, aponta a visão de que o povo estatui a lei para todo o povo, pois sua tese famosa defende que o povo submetido às leis deve ser o seu autor. É pela garantia da lei que o cidadão pode usufruir da liberdade em igualdade de condições. Destaca-se que a impossibilidade da desobediência da lei também se apoia na contribuição das paixões que são capazes de fazer o homem obedecer-lhe e amá-la incondicionalmente. São o amor de si mesmo e o amor divino, cujo sentimento o pragmatismo religioso de Rousseau tomará emprestado para garantir a obediência à lei e fazer com que o homem seja tão livre quanto antes.

O livro vale a pena ser lido sobretudo porque Rousseau é um relevante referencial, ainda hoje, entre os súperos pensadores da política contemporânea, mas o leitor deverá estar atento à sinuosidade dos argumentos e das teses aqui apresentadas, deve ter cuidado para não se iludir com a sedução da literatura rousseauniana, por isso sua postura analítica deve ser imperiosa. As ideias de república, democracia, soberania, fundamento das leis, liberdade e sociedade justa são elixir para o prazer e o crescimento intelectual.

 

               Prof. Dr. D Genildo Ferreira da Silva