SINOPSE
Yo soy yo y mi circunstancia
y si no la salvo a ella no me salvo yo
Ortega e Gasset
A crença de que o conhecimento trabalhado no ensino superior exerce importância vital tanto para o desenvolvimento sociocultural e econômico de um país, quanto para a melhoria da qualidade de vida de cada pessoa no interior de uma população – largamente assumida tanto por governos, quanto por amplas parcelas da população – certamente contribuiu no aumento significativo das matrículas nesse nível de ensino. No Brasil este crescimento significou um fato social da maior importância no movimento de democratização da sociedade, pois trouxe para esse nível de ensino parte importante da heterogeneidade presente na população, seja em termos socioeconômicos ou culturais.
O cenário constituído pelo aumento do número e da heterogeneidade do alunado, aliado a profundas modificações que ocorrem na sociedade contemporânea tornaram a atividade de ensino mais desafiadora do que já era tanto para os professores quanto para os gestores das instituições de ensino superior. A questão que emerge diante deste cenário é: “Quanto os professores do ensino superior foram ou estão preparados para enfrentar tal desafio?”.
Essa também é a questão que preocupa Celso Hiroshi Iocohama, a ponto de ela se tornar sua questão de pesquisa de doutorado. Graduado em Direito, tornou-se professor universitário ao viver e assumir cada vez mais intensamente o ensino e as circunstancias da docência numa universidade, num período no qual o ensino superior ganha demanda e complexidade crescentes no Brasil, assim como muitos outros países no mundo todo.
Independentemente de esforços ou experiências específicas de muitos dedicados professores, pode-se afirmar, com Celso, que a situação atual mais comum do docente do ensino superior é a de um profissional sem formação específica para o ensino. De fato, professores universitários entram para a carreira docente com uma competência bem estabelecida: são especialistas numa área de conhecimento e, no caso das universidades, em grande parte também experientes em pesquisar fenômenos na área de sua especialidade.
A atividade docente pertence a uma área de conhecimento específica, a do ensino. Nesse sentido, todo professor de uma disciplina curricular, seja da educação básica, seja da educação superior, necessita articular pelo menos duas áreas de conhecimento para exercer a atividade docente – a do conteúdo específico de sua formação e a do ensino desse conteúdo, na qual o conteúdo em si mesmo é apenas uma das variáveis a ser considerada. Ou seja, o fenômeno ensino, como de resto a grande parte dos fenômenos sociais, é de natureza multidisciplinar.
Analisando essa multidisciplinaridade, constata-se – como também Celso o faz – que a Pedagogia assim como a Didática são áreas acadêmicas que sistematizaram o conhecimento a respeito dos fenômenos educação e ensino. Todavia, outros campos têm contribuído com explicações a respeito desses fenômenos, como a Filosofia e seus diferentes ramos (Lógica, Ética, Epistemologia, Filosofia da Educação), as ciências da educação (Psicologia, Sociologia e Economia da Educação) entre outras áreas de conhecimento a exemplo do currículo. Além disso, áreas de saber menos rigoroso ou menos científico também oferecem explicações que devem ser consideradas nas pesquisas a respeito do ensino, como a política, as mídias, o saber cotidiano. Ressaltar essa questão é importante para deixar claro que um professor, ao lidar com pelo menos duas áreas de conhecimento sistematizado e ainda considerar saberes não sistematizados da vida cotidiana, encontra-se num ambiente verdadeiramente complexo.
Num universo de tanta complexidade uma atitude prudente é buscar desenvolver trabalho interdisciplinar em sua instituição e definir estudos para compreender contextos específicos de ensino e de aprendizagem, sem deixar de considerar o campo sociopolítico e cultural mais amplo. Ou seja, o espírito questionador e a competência em pesquisa, avaliando sistematicamente documentos, processos e resultados, constitui uma vantagem dos professores de ensino superior.
É essa a vertente escolhida por Celso no trabalho aqui apresentado. Sua pesquisa a respeito do ensino de Direito, inicia-se por um estudo documental preliminar, analisando quarenta cursos que possibilita descortinar uma tendência de organização curricular no país. O trabalho central de sua tese trata de um estudo de caso exploratório realizado em uma especifica universidade, onde a partir das manifestações de professores e de estudantes identifica características do ensino praticado em uma disciplina, oferecida em duas vertentes: teórica e prática.
Aprendizagem é o centro de preocupação de Celso ao estudar o ensino, tendo em vista o objetivo de uma formação sólida para o profissional de Direito. Ainda que o processo de ensino se refira a ações dos professores e que o processo de aprendizagem se dirija às dos estudantes, fica estabelecido que são processos inter-relacionados e que ensino e aprendizagem referem-se a ambos os grupos que interagem. De fato, todo processo de ensino ocorre no interior de uma situação de interação comunicativa e de aprendizagem para estudantes e professores. Essa situação de aprendizagem é fundamental, pois, se atualmente muitos professores são excelentes pesquisadores, se abertos à aprendizagem que a ação docente proporciona, poderão também se tornar docentes de destaque. Aliás, pesquisar a própria prática pode ser o caminho de aprendizagem com parâmetros conhecidos do pesquisador.
Ainda que seu foco seja a aprendizagem dos estudantes, Celso não deixa de salientar o papel de protagonismo do professor na aprendizagem daqueles. Nesse sentido, o estudo que realizou, apoiado numa ampla e aprofundada bibliografia da área educacional e de ensino, permitiu a ele, além de iluminar a análise dos dados coletados, também vislumbrar possibilidades inovadoras na formação em serviço desse profissional, seja em sala de aula, seja nas decisões de âmbito curricular.
Por tudo isso, é possível afirmar que o trabalho de Celso, além de se constituir uma inestimável contribuição teórico-metodológica, também colabora com indicações de boa prática, fruto de seu profundo comprometimento na melhoria da docência universitária na formação do profissional de Direito.
Há ainda que se observar que não advogando a hipótese de o professor universitário passar por um curso formal para exercer a docência, como ocorre na educação básica, o trabalho de Celso suscita, num olhar prospectivo, imaginar espaços e/ou momentos regulares de formação em serviço, nas diferentes instituições de ensino superior no país, aos modos do que já existe em muitas universidades de classe mundial. Nesse movimento, certamente o apoio institucional é fundamental; afinal, se os professores passam, a instituição permanece. E a cada novo ano uma nova geração de jovens procura a melhor formação.
São Paulo, outono de 2014.
Sonia Teresinha de Sousa Penin
Graduação em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (1967); Mestrado em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1980) e Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (1988). Designada a partir de maio de 2010 a janeiro de 2014 para exercer a função de Assessor Sênior do Reitor da USP. Diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2006 - abril 2010); Membro da International Alliance of Leading Education Institutes (2006-2009); Pró-Reitora de Graduação da Universidade de São Paulo (2001-2005); Professora Titular do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da Universidade de São Paulo; membro da Academia Paulista de Educação; membro do Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo (1995-2007); membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior - CONAES/MEC, (2005-2010). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Teorias da Instrução, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores; métodos e técnicas de ensino, a teoria geral de planejamento e desenvolvimento curricular; avaliação de sistemas, instituições, planos e programas educacionais e ensino superior.
-------------------------------
INTRODUÇÃO ........................................................................................15
1 O ENSINO DO DIREITO NO BRASIL .................................................23
1.1 BREVE HISTÓRICO DOS CURSOS DE DIREITO NO BRASIL.....25
1.1.1 Momentos iniciais da criação dos Cursos de Direito.................27
1.1.2 Os Cursos de Direito a partir do período Republicano..............33
1.1.3 A estruturação histórica das disciplinas ...................................38
1.2 O ENSINO DO DIREITO E A CRISE ONTOLÓGICA DO PRÓPRIO DIREITO................................................................................................45
1.2.1 A alteração do paradigma jurídico.............................................56
2 A CRISE DO ENSINO DO DIREITO PELA CRISE PEDAGÓGICA: DOCENTES E DISCENTES ....................................................................64
2.1 AS DIFICULDADES PEDAGÓGICAS EM RELAÇÃO AO DOCENTE.............................................................................................69
2.1.1 A formação pedagógica do professor de Direito........................70
2.1.2 A docência no ensino do Direito com profissão.........................78
2.1.3 O reconhecimento como educador e a valorização da aprendizagem ....................................................................................82
2.1.4 O afastamento docente, a autoridade e a arbitrariedade...........89
2.1.5 A atividade docente na seleção das verdades e sua postura como fonte das informações ..............................................................96
2.2 AS DIFICULDADES DECORRENTES DO CORPO DISCENTE..103
2.2.1 A ausência de conscientização sobre os objetivos pessoais profissionais .....................................................................................106
2.2.2 Os efeitos da formação anterior ..............................................111
2.2.3 A ausência de interação discente-mundo................................113
3 A ESTRUTURAÇÃO DO ENSINO DO DIREITO EM EIXOS E A SUA PROBLEMATIZAÇÃO: A NORMATIZAÇÃO E A COMPREENSÃO INTERDISCIPLINAR .............................................................................119
3.1 A PROPOSTA DAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE DIREITO..........................................................................122
3.2 OS EIXOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO CURSO DE DIREITO..............................................................................................127
3.3 A TRADICIONAL DIVISÃO DAS DISCIPLINAS EM MATRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE DIREITO E A POLÊMICA SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO DIREITO......................132
3.4 A INTERLIGAÇÃO ENTRE OS EIXOS: DA ORGANIZAÇÃO DE UM CURSO À INTERDISCIPLINARIDADE...............................................138
4 O CONTEXTO DA APRENDIZAGEM E A RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA ..............................................................................................147
4.1 REFLETINDO SOBRE O ESTÁGIO E SUA RELAÇÃO COM AS AULAS TEÓRICAS .............................................................................148
4.2 A APRENDIZAGEM ......................................................................150
4.2.1 A aprendizagem significativa em Ausubel...............................157
4.2.1.1 Aprendizagens por descoberta, recepção, mecânica e significativa.....................................................................................158
4.2.1.2 Estrutura cognitiva, subsunção e princípios facilitadores da aprendizagem significativa.............................................................162
4.3 A MOTIVAÇÃO..............................................................................169
4.4 A RELAÇÃO TEORIA-PRÁTICA ..................................................174
5 MEDIDAS PEDAGÓGICAS DOCENTES PARA O ENVOLVIMENTO DA AÇÃO DISCENTE: A APROXIMAÇÃO DA TEORIA E DA PRÁTICA................................................................................................184
5.1 A IMPORTÂNCIA DO PROFESSOR MEDIADOR/ FACILITADOR.....................................................................................185
5.2 A REVISÃO DA AULA EXPOSITIVA NO CONTEXTO DO ENSINO DO DIREITO .......................................................................................193
5.3 A INSERÇÃO DA PRÁTICA NAS ABORDAGENS TEÓRICAS E A AMPLIAÇÃO DA AÇÃO DISCENTE SEM O DISTANCIAMENTO TEMPORAL ........................................................................................199
5.4 A CONTRIBUIÇÃO DA APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS PARA O ENSINO E ESTUDO DO DIREITO ...............207
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................220
REFERÊNCIAS......................................................................................226
|